A coragem de cobrar caro – Este inteligente texto é de Stephen Kanitz e não fala de tradução, mas gera reflexão que perpassa pelo valor intrínseco daquilo que se entrega. Sobre tradução, falamos aqui: ‘Quanto custa uma tradução?’.
“Meu médico me recebeu todo envergonhado pelo atraso de duas horas na consulta marcada.
“Doutor, eu não estou irritado pela espera, porque o senhor é simplesmente o melhor médico do país e eu não sou bobo. Prefiro esperar a consultar o segundo ou o décimo melhor especialista da área.” Isto o tranquilizou.
“Eu só acho triste que o melhor médico deste país esteja cobrando o mesmo preço que os outros, tendo de trabalhar o dobro, sem tempo para estudar e ver a família. Eu, como palestrante que sou, cobro dez vezes o preço desta sua consulta, só que nunca chego atrasado.”
“Ele concordou e balbuciou a seguinte frase, que me levou a escrever este artigo: “Tenho medo de cobrar mais do que os meus colegas. Eles ficariam com inveja, falariam mal de mim, seria um inferno.”
“No Brasil, a maioria dos empregados e profissionais, no fundo, tem medo de pedir um aumento de salário ou de cobrar mais caro. Cobrar mais significa criar um cliente mais exigente, que irá reclamar toda vez que o serviço não corresponder ao preço. Cobrar menos é sempre a saída mais fácil, dá muito menos problemas, menos reclamações, como no meu caso.
“É preciso ter coragem para cobrar mais e assumir as responsabilidades inerentes. A maioria prefere o comodismo e a mediocridade do ‘preço tabelado’. Só que, se cobrar o mesmo que os colegas menos competentes, você estará roubando clientes deles, e é isso que cria inveja e maledicência. Você estará fazendo ‘dumping profissional’, estará sendo injusto com eles e consigo mesmo.
“Eu sei que é difícil cobrar mais caro, mas alguém tem de dar o exemplo, mostrar aos outros profissionais o caminho da excelência, implantar novos padrões, como pontualidade, por exemplo. Você será o guru da nova geração e a inveja que terão de seu novo preço fará com que eles passem a copiá-lo. E, à medida que seus colegas se aprimorarem, sua vantagem competitiva desaparecerá e você terá de reduzir o preço novamente ou então melhorar ainda mais seus serviços.
“Somos essa sociedade atrasada porque, entre nós, cobrar caro, ganhar mais do que os outros é malvisto pelos nossos intelectuais, políticos, líderes religiosos e professores de sociologia. O paradigma de sucesso deles é cobrar pouco. Melhor ainda seria não cobrar, oferecendo de graça ensino, saúde, segurança, cultura, aposentadorias, remédios, comida, dinheiro, enfim. De graça, o povo não tem como reclamar dos péssimos serviços, os alunos desses professores não têm como criticar as péssimas aulas. ‘De cavalo dado não se olham os dentes.’
“Se alguma coisa a história nos ensina é que o ‘tudo grátis’ traz consigo a queda da qualidade dos serviços públicos, a desvalorização do serviço, o desprezo pelo povo nas filas, a exclusão social, a corrupção e a desmoralização de todos os envolvidos.
“O programa Bolsa Escola foi criado no governo do PSDB como uma forma inteligente de incentivar as mães a manter os filhos nas péssimas aulas do ensino público. Quando o estímulo deveria ser aulas interessantes a que nenhum aluno curioso iria faltar.
“Nós administradores já descobrimos, há tempos, que refeições grátis para funcionários não são valorizadas e a qualidade despenca. Por isso, cobramos algo simbólico, 10% a 20% de seu valor.
“Se o ensino fosse cobrado, em pelo menos 10% do valor, teríamos pais de alunos reclamando do péssimo ensino público e gerando pressão por melhoria e redução de custos. Dizer que nem isso dá para pagar é mentira – 10% não chegariam a 20 reais por mês. Tem muito pai que faria trabalho extra pelo orgulho de saber que foi ele quem custeou a educação dos filhos, e não a caridade estatal. Se temos falta de recursos em educação, por que não cobrar pelo menos 10% do valor? Seria falta de coragem ou simplesmente vergonha?
“Precisamos mudar a mentalidade deste país, uma mentalidade que incentiva a mediocridade e o medo de cobrar pelos serviços, por óbvias razões.
“Se você acha que cobrar caro e ficar rico é politicamente incorreto, como muitos professores têm ensinado por aí, doe o adicional pelo meu site www.filantropia.org ou então passe a trabalhar menos, volte para casa mais cedo e curta sua família. Mas não faça a opção pela pobreza, não tenha medo de cobrar cada vez mais. Caso contrário, continuaremos pobres e medíocres para sempre.”
Crédito: Stephen Kanitz, diretor do Thinkers-Brasil, plataforma de apoio sem fins lucrativos aos Think Tanks brasileiros, consultor de empresas, conferencista, formado pela Harvard Business School (https://br.linkedin.com/in/stephen-kanitz-60026114). Editora Abril, Revista Veja, edição nº 1979, ano 39, nº 42, 25 de outubro de 2006, página 28.
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